quarta-feira, agosto 31, 2011

✽ Inspiração é canção perfeita

Não é à toa que na poesia grega louva-se tanto as "musas" inspiradoras que sussurram as histórias épicas ao pé do ouvido do autor. Valimento nenhum tem o que escreve, pois apenas transcreve o que lhe cantaram as musas. Seu único mérito está em ser íntimo dessas criaturas, capaz de ouvir e decifrar o que lhe dizem sobre o mundo e os homens.
É verdade, estudei na faculdade.

O que quero dizer é, não é ao acaso que, na criação dos homens, são chamadas deusas aquelas que provêm a inspiração. Essa aí, lhe digo, é uma das mais traiçoeiras parceiras do poeta. Quando chega a ele sem reservas, não há limites, ou melhor, não há abismos entre o que se quer dizer no canto fértil da mente e o que se concretiza na linguagem. Quando dançam ela e o poeta, luz se dá num maior elo de perfeição literária - a substância e seu nome no mundo. Não há maior nível de sincronia que este na vida.

Mas como disse, a inspiração é traiçoeira, vem quando quer e sai como quiser. Não se pode dominá-la, pois se tentar fazê-lo ela vai-se embora de vez e se transforma em dor de cabeça. E não queira orquestrar as letras sem canção, porque é isso que a inspiração é: canção perfeita. Mas o problema é que ela é canção perfeita no vácuo, no mundo, em algum lugar no cosmo, vista e sonada mas que ninguém viu nem ouviu. Captura a perfeição quem valsa com essa dama.

Ao que resta ao poeta aproveitar cada corrente de influxo criativo que lhe surge pelas vias do processo produtivo. Não sobram-lhe muitas opções além de lançar-se à resignação. Ele vive na conformidade de saber que a inspiração por vezes lhe trairá.
Não se importa, na verdade, porque até a deslealdade das musas vira matéria de sua composição. Viva a metapoesia.

terça-feira, agosto 30, 2011

✽ Em defesa de uma fonte ilegível

*Texto escrito a respeito da primeira fonte utilizada no blog (figura abaixo), a mesma usada nos títulos dos posts e das barra direita.




Meu amigo Felipe veio zelosamente, sem querer ser levado a mal, me aconselhar uma mudança de fonte para o blog. Esta fonte mesmo que você agora fixa os olhos ao decifrar esse meu texto.
"Está lindo, mas exige um certo esforço pra ler", resmungou. Concordei.


E expliquei-lhe minhas razões.
Toda vez que passo pelo blog eu lamento a letra ser assim, tão bonita quanto ilegível. Mas é um lamento daquele tipo em que se dá com os ombros como que dizendo "o que tenho eu com isso? o que posso fazer se a vida escolheu assim?".
Depois também me dei ao trabalho de convencer-me de que a não facilidade de leitura pode ser um acessório desconstrutivista às minhas sentenças, se é que faz sentido. Sei lá, é uma forma de quebrar a cadência da leitura mesmo, exigir mais devoção ao ato de ler. Com suor se escreveu, com suor se lerá.


Ora, o suor do leitor é moeda em alta, glorifica a obra. Todo poeta que se preza adereça os versos com um pouco de encravo. Afinal, o que são as palavras difíceis senão um atavio de ilegibilidade à composição? Porque o que o verso tem de obscuro, ele tem de bonito (nem sempre, estou em defesa dos meus versos, é por eles que advogo).


Além do mais, fico com pena dessa pobre fonte, que por não dar conta de ser boa fonte, fica rejeitada pelos demais. Como não me comover ao apelo de uma caridade? Como não ser movida a acolhê-la de uma vez por todas, encerrando-lhe a solidão? Nada e ninguém ficará desprezado enquanto eu puder afagá-lo. E que maior acolhimento pode ser maior que a chance de veicular palavras que a gente deu à luz no labor das letras?


Fonte, você é bem-aventurada! Vem suportar os meus versos!


✽ Descarte

Possuo o que nomeio.

Por isso nomeio os anseios do peito. Para tomá-los pra mim e então descartá-los na canção.

✽ Tantas frases no mundo pra se amar

Essa semana li um post no blog da Mallu e resolvi comentar. Recomendei-lhe a canção "Imagination" da Bethany Dillon, cuja letra e música são uma delícia.
Mallu me deu a honra de sua resposta.

"Laura! Muito obrigada pela dica!
Adorei. Adorei a frase ”could you look at me with some imagination?".
Beijnhos e boas viagens filosóficas!".


Em resposta, não resisti à sentença dada por ela. "Boas viagens filosóficas". Sentenciada estava ao limbo da criação. E escrevi o que vem em seguida.

...

Eu também amo essa frase. Essa frase e muitas outras frases. Tantas frases no mundo pra se amar. Como não amar o árduo e engenhoso compor das palavras? Como não se deleitar no custoso esculpir das letras? Basta um verso de poesia que a alma se liberta num súbito fugaz de satisfação. Ah, o alívio das palavras bem domadas pra desabafar o peito amuado. Que beleza há no nomear dos suspiros do seio.

A palavra, essa rocha rebelde, resiste firmemente às mãos do poeta. Escapam-lhe entre os dedos os vocábulos... Ah, essa pedra dura que me dói a ponta do lápis! Se a subjugo, se expulsa de mim o engasgue indito. Quanta beleza calada na extremidade do grafite. Se a subjugo, insisto, se aquieta no fundo da emoção a profusão de existir - e que existência intensa essa que me cansa os rascunhos.
Fico cansada de engasgar sentimentos de mundo e logo me socorrem os lexemas.

Libertam-me as palavras.

Tal momento de libertação é tão eterno quanto o matar da sede com uma dose d'água. Por isso não há de cessar o arquitetar das palavras (e das melodias, e das cores, e das formas, das texturas, das loucuras) pra aliviar o coração. Pois o que é a arte senão o socorro dos doidos? Deixe-me combinar duas coisas bonitas pra me espantar os males. Dicionário, esse mar de essência.





*Este texto é uma extensão do comentário criado pro blog da Mallu Magalhães, http://www.mallumusic.com.br

segunda-feira, agosto 29, 2011

✽ Maria Luiza de Arruda Botelho Pereira de Magalhães


Maria,
A vida quando sorri
Resta é fazer melodia,
Infinitamente melhor, é
A alma exposta que a sufocada.

Loucura mesmo é cantar pra estranhos
Uma canção que nada tem de pública
Imitar cara de desavisada
Zelosamente a tocar as cordas
A escancarar o amor privado.

De todas as coisas que embelezam a vida
Esmero e coragem são as mais lindas.

Assim, Maria
Reclina o braço sobre o violão
Responde ao pleito da sua emoção
Ungindo a música com sentimento,
Deitando a letra sobre o sofrimento
A registrar o belo da vida.

Basta um verso de linda canção
O coração já se alivia todo,
Toda profusão de viver à flor da pele
Encontra-se agora na estrofe e coro,
Levando a fadiga do viver intenso,
Hasteando agora paz pro espírito
O resultado da composição.

Para que as notas não lhe zombem
É preciso coragem pra abrir o peito,
Revelar a frígida imaginação
E sussurrar no canto estreito
Imensurável satisfação no verso.
Recordar é dever do apegado
Aquele que tudo registra, e

De registrar perde até o momento
E se compraz em reviver o pranto.

Maria,
A beleza não é tão barata
Gastam-se lágrimas e solidão
À maestria da composição,
Lei da vulnerabilidade.
Há de haver quem com tanta doçura
Afaga o âmago da ternura
Em semelhante modo,
Sem delongas (é o fim), a você.


*Acróstico feito a Maria Luiza Magalhães no seu aniversário de 19 anos.
Foto de Marcelo Camelo

✽ Laura

Logo de manhã vejo o sol,
A manhã, linda e radiante
Uma planta, um caracol
Roubo disso uma história interessante.
Amanhã, tenho outra história pra contar.


*Escrito por mim aos 12 ou 13 anos, pra um trabalho escolar sobre acrósticos (poemas cujos versos começam com letras que formam uma palavra).

✽ Mesmo tendo a tua essência

A poesia é como um buraco,
Um grande buraco sem fim
Seu conteúdo é o vazio,
Vazio extenso que é a poesia.
E não o digo a maldizendo,
Pois só o que digo é que é sem fim
E é profunda, densa e complexa,
Então por isso ai de mim.
Ai de mim, acho de novo
E frustrada eu me pergunto:
Como vou eu descrever
Este vazio tão profundo?
Pois mesmo tendo a tua essência,
Não te domino, ó poesia,
Tu me dominas e eu te peço:
Toma a minha melancolia.
E vou enchendo esse buraco
Que é vazio, onde tudo vai,
E os meus versos de incertezas
Neste vazio todo cai.
E então desisto acorbartada
E admito, eu fraca sou,
E mesmo assim, tudo o que tenho
A estes meus versos ainda dou.

*Escrito em setembro de 2005, aos 15 anos.

✽ Branco do meu coração

Escrevi uma poesia.
Mas não daquelas todas rimadas.
Não a fiz ao luar, ou ao som da viola,
Mas sob o sol escaldante
Que me aquece, me incomoda
Ao barulho dos carros daquela velha estrada.
Fiz dela o meu grito de liberdade,
O meu brado de vitória por tudo o que já passei,
Pois mesmo presa neste corpo
Com meu poema vou além.
Além do céu, além da dor, além da minha ortografia,
Sou levada a outro mundo onde o sol se faz amigo.
Fiz dela o meu canto
Mesmo que desafinado,
Pois as vezes se deve apreciar
E muitas vezes rir como quem zomba da vida e suas tristezas.
Ou meu canto de angústia
Das noites tenebrosas que passei ao meio dia.
Fiz dela a minha carta de amor,
Sem um destinatário.
Deixei um lugar em branco.
Branco pois não sei quem é,
branco do meu coração.
E tudo o que vivi guardei na mente,
Nas lembranças,
Pois não importa a elas que se encontrem em meus versos.
Mesmo assim os compus,
E fiz dessa poesia
Uma folha em branco.
Branco pois não sei porque,
Branco do meu coração.


*Escrito em setembro de 2005, aos 15 anos.

domingo, agosto 28, 2011

✽ Outro Dia de Chuva

Ontem no meio da tarde estava voltando pra casa a pé por uma avenida movimentada e percebi o tempo ruim. O céu foi se fechando e como que num instante as nuvens carregadas se aproximaram. Começou a chover. Em segundos a chuva virou tempestade, cada vez mais forte, tudo meio repentinamente. Sem guarda-chuva, a minha primeira reação foi me apressar a colocar a blusa de frio, prender os cabelos, apertar o passo e torcer para chegar logo em casa.

Um pingo de chuva mais grosso que o outro, e cada um deles um pouco mais gelado - aquela sensação de incômodo. Pareciam todas as pessoas na rua terem a mesma reação: todo mundo apressado, maldizendo a chuva, resfriando-se os corpos. Uma murmuração aqui, uma reclamação ali - só se falava em como a chuva estragara o dia.

Pensava então comigo se me encontrava em igual condição.

Olhei pra cima e o céu continuava muito azul. De certo depois da chuva viria um lindo arco-íris. Olhando à minha volta não achei um motivo sequer que justificasse qualquer reação mau humorada da minha parte. Pois tornei-me, ao invés de me apressar, a diminuir o passo, tirar a blusa de frio para sentir os pingos gelados direto na pele, deixar molhar... soltar o cabelo, desenbaraçá-lo com os dedos lentamente e apreciar a caminhada. Rendida ao inevitável, concluí que nada no dia podia fazê-lo mais especial do que essa chuva: ela fizera do meu dia um dia incomum.

A aventura de desviar das poças d'água me fez compania, e nenhum som me era mais familiar do que o dos carros passando rapidamente no asfalto das ruas molhadas. Ri em voz alta vezes incontáveis. Me sentia boba e completa.

Quando cheguei à escada do prédio, subi até a portaria com certa melancolia: o trajeto acabara. Ao passar pelo portão cumprimentei o porteiro com um "boa tarde" falado e rido ao mesmo tempo. Algo do tipo "Olha só para mim! Estou encharcada!". Quando subi para o apartamento a chuva já estava parando, e fui direto para a janela procurar o arco-íris. Nada o faria mais visível do que fechar meus olhos e deixar a brisa secar meu rosto:

- O arco-íris estava dentro de mim.

*Escrito no dia 10/04/2007. Revisado no dia 29/08/2011