sexta-feira, novembro 30, 2012

✽ Urgência

Estou sentindo uma urgência de te ver
Estou sentindo uma urgência de sair e ir
Ao teu encontro
Sem confronto
Pegar tua mão.

Estou sentindo uma urgência de te ter
Estou sentindo uma urgência de deitar
Ao teu lado
Ficar um bocado
A te pertencer.

Estou sentindo uma urgência de assentar
Estou sentindo uma urgência de chegar
A nossa estação
E a nova estação
Será bela.




"Aí-há, de haver o dia, amor
Em que eu te espero na mesa
Pra tua surpresa
Eu já passei teu café
Aí-há, eu sonho tanto, amor
Que quase acordo ao teu lado
E dói um bocado ver
Que a cama é para um só


"Aí-há", Mallu Magalhães

sexta-feira, julho 20, 2012

✽ Estranha de Mim

Não sou tão delicada quanto pareço.
Bom, eu nem sei o que pareço. Não sei exatamente o que aparento ser; quase ninguém sabe. Ninguém sabe a rigor o que se é para os outros. Talvez seja essa uma longa e doída traição do ser: passar a vida toda achando que se transmite ser algo que não é o que os outros vêem em você. O alguém que você acha que é não é o alguém que os outros te veem ser. Eu sei, estou complicando um pouco, mas o que estou dizendo é que -
Nunca se sabe ao certo a impressão que a gente causa nos outros; não se sabe quem a gente é, em todos os efeitos, pro outro;
É o ponto de vista de fora, externo, que a gente nunca tem de si mesmo. Desde cedo a gente estranha o reflexo no espelho, a própria voz no gravador, os ângulos das fotografias, os vídeos caseiros. Não nos é comum nos assistirmos de fora; não vemos a nós mesmos da perspectiva externa. Quem é esse eu simultâneo a mim? - pensamos ao nos observar num vídeo.
De todos os estranhos, sou-me a maior.

Por isso afirmo, não sou delicada como pareço ser; se é que pareço ser. Não sei o que pareço, não estou externa a mim pra me assistir vivendo - repito -, apesar de ter desejado muito e até feito figa pra que isso acontecesse. Mas nunca saí do corpo. Estou tão perto de mim que não consigo ver; sou vítima de minha própria internalidade. Não sou plateia de mim. Posso até estimar, mas não sei ao certo o que transmito; eu vejo e observo às minúcias todo mundo mas não posso fazer o mesmo comigo. Que ingrato!

Mas pensando bem,
[pensar bem nos salva a alma]
acho que graças a Deus não me estou de fora a me observar. Seria uma desilusão tremenda as descobertas que faria. Prefiro mesmo é ficar nesse estado meio desavisado, irrefletido, convencido de que eu sou eu de um jeito só por dentro e por fora. Talvez se eu me visse não teria tanta coragem de advogar pelas minhas próprias causas; a gente é sempre tão mais elegante e descolado na nossa própria cabeça. Deus abençõe minha alucinação. Penso que prefiro mesmo permanecer nessa miragem pessoal.

Mas o que estava dizendo (meu Deus! que distração!) é que não sou tão delicada quanto eu estimativamente acredito parecer. Às vezes me falta mesmo é paciência pra fazer as coisas com delicadeza. Ser frágil e suave toma frieza, toma calmaria de espírito - e eu sou quente,
Você vê?

quarta-feira, maio 02, 2012

✽ Declaração de Desamor

Eu não te amo, não amo
Não te amo porque és enfado
Não te amo, sou franco sou chato
Só sou chato porque sou cansado

Eu não te amo, não amo
E nem tente me desafiar
Não te amo, sou claro e exato
Sou exausto de tanto amar

Eu não te amo, não amo
Então seja perfeita e distante
Não te amo conforme-se agora
Mesmo sendo por só este instante

E te digo, não amo, não amo
Mesmo sendo tu melodia
És por mim incompreendida
Não te amo, minha poesia.



Ago/2006

segunda-feira, abril 02, 2012

✽ Eterno Minuto de Silêncio

Minha alma se curou e calou-se a poesia. Emudeceram-se senís as dores do desemparo e fez-se quietude no ser.


[Mudo.]


Calaram-se poesia, voz e canção a fazer eterno minuto de silêncio em reverência funerária à aflição de viver. Morreu a dor e toda inspiração com ela. Não resta nada e ninguém a poetizar senão o fim do passado e o gemido desafinado que me inspirava a escrever. Metade da poesia é dor, a outra metade é eloquência. Não estou louca nem estou infeliz, estou entediada e sem conflito, e isso traz inspiração tanto quanto uma placa de cimento.

[Nenhuma.]


Se a placa de cimento caísse na gente e fizesse doer talvez daí nascesse uma poesia.
Enquanto isso descansam preguiçosos os versos dentro do peito. Por ali ficam, jogados ao léu e irresponsáveis, até que chegue uma desventura. Porque metade da poesia é desespero, e a outra metade é arquitetura. Se não tem dilema, não tem poema. A cura de mim mesma me tirou a fundura; sou plana como humana comum que não sabe poetizar. Talvez esse pequeno sofrer de ser rasa ainda me desperte alguns choros pra verbalizar.

[Invento dor pra poder confessar.]


segunda-feira, março 19, 2012

✽ Últimas Vezes

Às vezes olhar pra trás é muito doído. Meditar no passado é assim, uma mistura de saudade e nostalgia doída de não poder voltar o tempo. É um nó na garganta de ter se distanciado do que era tão familiar. É aquela sensação inconclusiva de amor mal-resolvido. O tempo passa tão desapercebido que a gente nem deu adeus. Pode ser que seja porque eu sou uma sentimental, mas acho que há algo agudamente melancólico nisso.

O passado é aquele filme que a gente protagonizou mas hoje assiste da platéia. Ao tentar relembrá-lo, a memória tantas vezes nos escapa; são apenas flashbacks de uma infância sensível; breves cenas engavetadas na mente a nos sussurrar de onde viemos. A memória são restos de vida desconfiáveis; já nem se sabe mais o que de fato aconteceu e o que a nossa mente inventou. Nos trai a memória. O passado é cheio de gente que já não existe mais, porque essa gente se metamorfizou lentamente com o tempo deixando de ser quem era; quando nos piores casos não nos deixam de fato, pra viver distante ou não mais viver. Ele é cheio de cenas e lugares que nunca mais serão os mesmo. São bons amigos que hoje são estranhos e melhores amigos que, com otimismo, nós saúdam feliz aniversário uma vez ao ano. A vida morre aos poucos sem a gente saber.

Ninguém conta pra gente que um dia, drasticamente, olharemos pra trás e nada mais será o mesmo. Despreparados estamos todos nós. Não foi dado aviso ou sequer um momento lúcido e definitivo pra dizer adeus. Foram-se pessoas, lugares, estações da vida e suas particularidades, sem dar tempo de nos despedir. Cruelmente, assim, sem mais nem menos, foi a última vez e eu não soube. Últimas vezes são pequenas mortes.

Certa vez um grande amigo me falou, alguns meses depois de eu ter deixado minha cidade natal, que a minha voz ainda ecoava naquele lugar onde costumava cantar todo fim de semana. Que triste e doce ouvi-lo dizer isso. Será que ecoa mesmo? Será que eu ecôo por aí, por lugares que passei e vi mas que nunca mais visitarei? Será que a minha existência, depois que eu deixar esse mundo, vai ecoar por ele como algum sinal cósmico e latente de que eu existi? É seguir em frente pra sentir saudade, como lamentou Camelo¹. Terão que morrer as velhas décadas, anos, meses, dias, horas, segundos, pra que se siga a jornada. Mas que triste é não poder descer do trem do tempo! Só menos triste é acreditar que um dia ele chega ao seu destino, e que ele é belo.




¹Marcelo Camelo, na letra da canção Janta

sábado, março 10, 2012

✽ Despedida

Meu benzinho
Vem aqui pertinho
Pra eu contar pra você
Que eu vou embora
Daqui.

Amorzinho,
Chega de mansinho
Pra não doer o peito
De te deixar
Pra trás.

Mas vou e volto pra você,
Como a onda que foge do mar
E vem passear na maré
Volto de mansinho pra você.

Não dá muito e volto, amor
Que sozinha eu fico triste sem saber
Se chego devagarinho pra você.

Segue a contar os dias, amor
Que eu vou e volto num pé
Quando o vento da vida quiser.

sábado, janeiro 28, 2012

✽ Ensaio da Invisibilidade

Eu sou invisível. Eu não posso ser vista. O que você vê quando olha em minha direção não sou eu. Não sou eu ali. Eu estou refugiada no que você vê. Estou na verdade pegando abrigo, inquilinada, nessa carne. Eu mesma sou invisível, eu vim do imaterial e não posso ser enxergada - não com olho de nervo óptico, mácula e retina. Mas há olhos que me enxergam. Há alguns olhos nesse mundo que me enxergam. São olhos de gente invisível também.
No mundo invisível se dão muitos encontros; vivo à espera dos meus.

Eu sou invisível a olho não-nu. Eu não posso ser vista, repito. Se pudesse ser vista eu estaria exposta. Se o mundo me visse se encerraria a jornada, resolveria-se a charada, acabaria a graça. Eu deixaria de existir. É por isso que a gente vive de dentro pra fora, assim como quem se abriga no indivíduo social, que tem corpo anda e fala. O ser dentro do corpo não é social. Ele é bicho do mato. Quer dizer, ele é bicho do corpo.

No corpo, os cinco sentidos são portas; mas tem-se a opção de fechá-las. De dentro do corpo, curioso e amedrontado, o bicho do corpo expia o mundo pelas portas dos sentidos. E se não gosta do que experimenta, fecham-se os portões e fica a se encasular. Tranca-se, fechado dentro de mim mesma, a se embalar no consolo solitário. Faz-se a melhor companhia.
É para tanto que a gente se guarda, resguarda, acoberta. Faz-se de tudo pra manter intocável a essência de quem se é; defende-se o eu invisível. Não digo por todos, mas estou eu mesma sempre à vigília de quem sou.

E por ser invisível eu amo as letras. Não tenho cara - minha cara não me é fiel, às vezes julgo - mas tenho voz eloquente a balbubradar¹. Tenho voz e tenho palavras. Palavras que me arrancam da inexistência visual e me adornam de significância no mundo dos invisíveis. Ao final, de tanto discursar, talvez seja eu pra alguém mais memorável que essa gente que se pode ver.




¹balbubradar: mesclagem lexical entre balbuciar e bradar