sábado, janeiro 28, 2012

✽ Ensaio da Invisibilidade

Eu sou invisível. Eu não posso ser vista. O que você vê quando olha em minha direção não sou eu. Não sou eu ali. Eu estou refugiada no que você vê. Estou na verdade pegando abrigo, inquilinada, nessa carne. Eu mesma sou invisível, eu vim do imaterial e não posso ser enxergada - não com olho de nervo óptico, mácula e retina. Mas há olhos que me enxergam. Há alguns olhos nesse mundo que me enxergam. São olhos de gente invisível também.
No mundo invisível se dão muitos encontros; vivo à espera dos meus.

Eu sou invisível a olho não-nu. Eu não posso ser vista, repito. Se pudesse ser vista eu estaria exposta. Se o mundo me visse se encerraria a jornada, resolveria-se a charada, acabaria a graça. Eu deixaria de existir. É por isso que a gente vive de dentro pra fora, assim como quem se abriga no indivíduo social, que tem corpo anda e fala. O ser dentro do corpo não é social. Ele é bicho do mato. Quer dizer, ele é bicho do corpo.

No corpo, os cinco sentidos são portas; mas tem-se a opção de fechá-las. De dentro do corpo, curioso e amedrontado, o bicho do corpo expia o mundo pelas portas dos sentidos. E se não gosta do que experimenta, fecham-se os portões e fica a se encasular. Tranca-se, fechado dentro de mim mesma, a se embalar no consolo solitário. Faz-se a melhor companhia.
É para tanto que a gente se guarda, resguarda, acoberta. Faz-se de tudo pra manter intocável a essência de quem se é; defende-se o eu invisível. Não digo por todos, mas estou eu mesma sempre à vigília de quem sou.

E por ser invisível eu amo as letras. Não tenho cara - minha cara não me é fiel, às vezes julgo - mas tenho voz eloquente a balbubradar¹. Tenho voz e tenho palavras. Palavras que me arrancam da inexistência visual e me adornam de significância no mundo dos invisíveis. Ao final, de tanto discursar, talvez seja eu pra alguém mais memorável que essa gente que se pode ver.




¹balbubradar: mesclagem lexical entre balbuciar e bradar