quinta-feira, setembro 01, 2011

✽ Põe-se à mesa

Sento sobre a cama e me ponho a escrever.
Por vezes fico tentando diminuir esse abismo fatal que existe entre o que se quer dizer no canto fértil da mente e o que se concretiza na linguagem (como já disse aqui antes). E digo que é fatal porque basta um passo falso que pode matar-se o primor do verso. Escolher os vocábulos é tarefa meticulosa e detalhista.

Nada se pode esconder quando se poetiza, põe-se à mesa toda sorte de compunção. Vasculha-se bem dentro do peito o que se tem de mais indizível, e ao narrar o que há em si de inenarrável, acha-se paz e realização. Acredite, o arroubo sublime que se encontra no verso acabado faz valer a pena a nudez da alma. Enfrenta-se com brio o escancarar da intimidade.

Ora, justamente por escancarar-se a nudez que se encobre o verso com a obscuridade que os trunfos literários ofertam. É por isso que se esculpe com destreza as letras, motivo nenhum senão reivindicar para si um pouco de privacidade. E por privacidade quero dizer "um compartilhar mais exclusivo", porque sempre tem aquele leitor que lhe arranca o lençol logo na primeira estrofe. São aqueles que consomem o texto, se nutrem de cada sentença. Não é qualquer um que se dá a receber a prosa de outrem e, saiba, o autor tem prazer na seletividade de seus leitores (ele quer aquele que se explode de gosto na obra). Tem gente que tem alma gêmea da nossa, e acaba-se por descobrir quando se lê o que o outro disse. Dá-se um encontro.
E a gente vai se afinando, um na palavra do outro, um na nudez vista do outro.

Mas devo dizer, até no que se expõe há uma autocensura, é claro. Não ia querer afugentar o leitor com as minhas bagaças. Mas para estas também existem os floreios e adornos poéticos, desvia a atenção. É isso! É isso que é poesia: bagaça adornada! Não me leve a mal, estou lhe espantando, não estou?

Pois bem (pigarreando séria), autocensura às vezes convém.

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