sexta-feira, outubro 07, 2011

✽ Devagar e por mais tempo

É difícil estar apaixonado.
Eu não disse que é difícil ficar apaixonado, muito menos que é difícil que eu esteja apaixonada. Digo que é difícil estar, permanecer, ficar em estado de paixão. Não há nada na vida tão espantadiço quanto a tal. O que não quer dizer que eu não esteja apaixonada, ó não, de forma alguma. Eu sempre me viro pra achar algo pelo o que me apaixonar; ora um fragmento de poesia, ora um arranjo musical, ora uma fotografia, ora um estranho na rua, ora a ideia de observar os estranhos na rua, ora uma constatação empírica da existência, ora por mim mesma, ora pela ideia de apaixonar-se... Por essa última eu tenho estranha e vívida flama. A penúltima quase sempre termina em desastre.
Minha paixão está por todo lugar e fragmentada; seus pedaços se espalham pela minha existência sensível. E não pense que quero catá-los, quero mesmo é que se espatifem pela vida. É todo meu o prazer de sua completude fugaz.

Mas o que estava dizendo é que é difícil agarrar a paixão. Ela é sempre um vulto que nos visita com êxtase e excitação e vai embora assim, bem quando a gente achava que tinha encontrado o que queria. É difícil estar apaixonada, esse estado volúvel e incapturável de ser. Deve ser assim porque quando se apaixona quer-se logo consumir a paixão, comer a paixão, digerir e cuspir o resto imprestável da paixão. E pelos três últimos paixão me refiro ao objeto dela. Quer-se logo ser um com o alvo de intenso sentimento. Estou longe de estar falando do ato físico entre dois humanos. Refiro-me a se tornar um com a canção, com a poesia, com a alma (e não o corpo) de outra pessoa. O apaixonado tem sede por fusão. É como fogo: vai consumindo com voracidade o pavio o sentimento quente rumo à combustão total. Ao fim sobrará apenas carvônica carcaça.
É como a música que se ouve até saturar; até já não mais acelerar o coração quando se alcança o ré com sétima aumentada; ou seja, esvaiu-se a paixão. Pior que deixar de se enfervecer com a música é depois se enjoar dela - o que excitava agora enoja. Cruel metamorfose da paixão. É a lagarta e a borboleta ao avesso.

A paixão é débil de autocontrole. Vai louca e descontrolada rumo ao seu fim. Tem tanta vontade e pressa de viver que acaba chegando cedo na morte. De tão veloz é fugidia. Coisa difícil é ter a paixão pra si, só se pode alugá-la. Se a paixão não fosse alugada, seria propriedade de alguém, daí deixaria de ser paixão, seria amor.
Só é paixão se estiver escorrendo por entre duas mãos que fazem conchinha, se apertando pra não deixar escoar por entre as mínimas frestas seu líquido. Todos sabem que o desespero de contê-la é em vão, aliás, possivelmente assim lha escapará mais rápido.

Pois bem, tem que amar devagarinho pra não espantar o esto. Devagar e sempre. Ou ao menos, devagar e por mais tempo; porque a paixão nunca será sempre. Com a exceção do instante - no instante ela é pra sempre. Aquele soneto do Vinícius de Moraes.
Pra fazer durar tem que quase não consumir. Vai-se nas poucas doses que quem sabe não dure por um tanto que tenha sensação de sempre. Quem se dispõe a poupar sua paixão para que ela dure faz verdadeiro sacrifício. Não há maior demonstração de afeto. E é aí - acabou-se - que deixa de ser paixão, pois por haver sacrifício vira amor. É isso que o amor é: sacrifício. A paixão ficou lá atrás, antes da abnegação de si mesmo. Foi incapaz de fazê-lo.

E até que ao final desse texto me convenci de contagotar o sentimento. Quero sim, que fiquem por aí espalhados os fragmentos da minha paixão, mas que seja inteiro e lento o meu amor.


6 comentários:

  1. Lindo demais.
    Como outras que existem por aí, sou mais uma admiradora desconhecida, da sua pessoa Laura. Você é linda por dentro e por fora, fato. Precisamos de você.

    Com carinho
    Kétrin

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  2. Que você seja sempre doce.

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  3. Kétrin,
    Muito obrigada pelo carinho! São pessoas como você, que se identificam com o que a gente escreve, que todo escritor precisa. Volte sempre!
    Abraço :)

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  4. Laura, é fascinante e encantador estar aqui apreciando, lendo e me lendo (:! Tu dá sentido e cor [delirante e apaixonante =]] a cada palavra que tu coloca em seus textos e poesias(Isso é Amor!)... Você inspira! E concordo em gênero, numero e grau. E até acho, que isso também se encaixa até pela paixão física. :)
    Isso sim é perfeição! :D Sou sua fã!!
    Beijos ;*

    Talita Cesário

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